sábado, 1 de fevereiro de 2020

Otília Oliveira (Tila): Uma vida dedicada à Tradicional Festa de São Sebastião

Notas de impressão de Otília Oliveira (Tila), principal responsável pela origem da Tradicional Festa de São Sebastião, em Bom Jardim:

No decorrer do ano de 1925, nos subúrbios desta cidade, vinha assolando uma medonha peste bubônica.


Por intercessão do mártir São Sebastião, esta cidade ficou preservada deste terrível flagelo. Em 1926, em ação de graças realizou-se uma importante romaria, encerrando-se na Rua da Palha. Não se realizou a festa de acordo com o programa por terem denunciado ao Sr. Bispo, que a nossa rua era de gente de má vida. Sua Excelência, julgando ser pessoa de consciência, na véspera da festa, mandou suspender a licença já obtida da Missa campal, em nossa rua. O programa contava de: tríduo na igreja matriz, quermesse e música na Rua da Palha. Eu e toda minha família fazíamos parte da comissão.

No ano seguinte, 1927, assumimos a Festa de São Sebastião, que se realizou no dia 02 de fevereiro, contando de um novenário em nossa rua e a Missa na igreja matriz. Com grande brilhantismo, efetuou-se a festa predileta do mártir São Sebastião, com o desejo de realizar-se todos os anos.

No terceiro ano, realizou-se a festa novamente, constando somente do novenário em nossa rua. O motivo foi este: O Reverendíssimo Padre Fernando, vinha angariando o óbolo pelas Paróquias, para a construção da catedral. Reconhecido aqui, nesta cidade, como bom pregador. A comissão, em silêncio, resolveu aguardar a visita do reverendíssimo padre, desejando que ele fosse o celebrador da Festa de São Sebastião, mas sim de acordo com o senhor vigário. Foi esta a nossa intenção e o nosso desejo. Afinal, chegou o Padre Fernando, por acaso, na segunda girândola inicial da festa. Pessoas que conviviam com o senhor vigário, já tinham assinado, em silêncio, uma improvisada trama e lançá-la contra a festa do mártir São Sebastião, a fim de nos prejudicar.

E os reverendíssimos padres, sem nenhum reparo, aprovaram a trama e, raivosos, quiseram acabar com a festa, mas não foi possível. No dia 03 de fevereiro, pela manhã, ao romper da aurora, como no ano anterior, fez-se o encerramento da festa, alegremente. Após, fui à Missa do Apostolado da Oração, fadigada de sono, pois era obrigada – visto ser zeladora e secretária. Ao terminar a Missa, o senhor vigário falou seriamente, protestando contra a festa. Eu, reconhecida como dirigente da festa, ao ouvir tal protesto rigoroso, desmaiei horrorizada.

Quarto ano. Festa de São Sebastião! Santo glorioso da predileção do povo católico. Em 1929, o povo em geral desejava saber ansioso se havia a Festa de São Sebastião. E eu, em silêncio, fazendo preces à Imaculada Conceição, pedindo que mudasse de sentido, caso a festa prejudicasse a religião católica. Supliquei com muita piedade. Nas minhas súplicas, não tive nenhuma impressão má contra a festa. Pois, sob a proteção de Nossa Senhora, dei começo a novo trabalho da festa e continuei com as minhas preces à Nossa Senhora, pedindo proteção.

Com antecedência, a comissão mandou participar ao pároco. Ele disse que ainda tinha a haver com esta festa. Alegou haver uns motivos que não se aprovou. Finalmente, não houve pedido que ele aceitasse, nem o do senhor Bispo Diocesano. Mas, como Nossa Senhora tem grande poder, o senhor Bispo obedeceu à Rainha do Céu e cedeu a licença para a Missa campal em minha residência. E cedeu também o Padre Severino Mariano, para celebrar a Missa do mártir São Sebastião.

Foi um verdadeiro milagre que a Festa de São Sebastião alcançou, por intercessão de Nossa Senhora, Mãe dos aflitos. Encerrou-se a festa a 03 de fevereiro, na maior alegria e contentamento. Salve, Rainha do Céu!

Eis o meu maior suplício... Após a festa que era dia de domingo, o senhor vigário aperreou-se bastante. Não celebrou a Missa paroquial. Mandou pedir exoneração do cargo de Vigário, pelo celebrante da Missa da festa. Correu o boato pelo mundo. Espalhou-se que foi “filha de Maria” que botou o senhor vigário para fora daqui.

Uns me acusavam, outros me defendiam, outros queriam me expulsar da igreja. Agradeço este “martírio” à peste bubônica.

No dia 17 de fevereiro, o senhor vigário achava-se com o mesmo cargo. Era dia de domingo. Fui à Missa, afim de levar um quadro do Coração de Jesus para benzer, e fui convidada para ir à casa do senhor vigário, para uma manifestação. Na hora determinada, fui conduzindo o estandarte da Pia União das Filhas de Maria, que me amparava da vista do meu diretor vigário, pois via que minha presença o molestava.

Daí em diante, foi luta e sofrimento. Pessoa sem competência dava-me suspensão dos trabalhos que fazia na igreja. O Sacristão apresentava novos membros para exercerem o meu lugar. Tudo isto me causava grande mágoa. Finalmente, só não sentia impressão dos sinos, porque me soavam com os mesmos sons de outrora. Sentia-me como uma “ovelha desgarrada”, sem pastor.

Enviei, na primeira sexta-feira do mês de março, um ofício ao reverendíssimo padre, pedindo exoneração dos cargos que ocupava na igreja matriz. Soube que foi uma sessão de lágrimas. A presidenta do Apostolado, que era diretora da Pia União, prendeu o ofício e não apresentou na sessão. O diretor silenciava, fez a reunião. A presidenta veio a minha residência, pediu-me, caridosamente, para eu ficar com meus cargos. Mas pensei seguramente, uns três meses contrariados. Saí de casa somente para ouvir a Missa, com o maior sacrifício. A Missa apresentava-me fúnebre.

No mês de abril, durante a Semana Santa, fui à igreja com assiduidade, desejando fazer a minha comunhão pascal, mas não foi possível obter um convite de confissão em geral. Depois da Páscoa, não pude me conter. Chorei sentidamente. As comunhões espirituais que fazia não me saciavam a sede. No fluente mês, dia da Associação de São José, fui me confessar, e o confessor fugiu sutilmente do confessionário. Fiquei exausta de dor. Regressei à casa, após a Missa, e chorei amargamente. Pedi, então, a Nossa Senhora, que me ceifasse a vida. Que, no leito da agonia, seria fácil a minha confissão. Estava me sentindo muito resfriada das tristezas, quando gravemente adoeci. Sem querer tratamento, pois ninguém sabia de minha resolução.

A minha diretora soube do meu emperro, resignou-me e fez eu tomar os remédios que fiquei restabelecida. Eis a minha luta! No próximo sábado de maio, cheia de coragem, tentei e fui à igreja, me confessar. Lá, estava a diretora e filhas de Maria, se confessando. E eu reservei-me, esperei que todas fizessem suas confissões, e fui a última, sem ser esperada, o que causou admiração. Após a minha comunhão, toda a igreja me sorria, até o próprio vigário suavizou-se.

Quem foi que me chamou à Mesa Eucarística? Foi Jesus, na Hóstia Santa! O Divido Pastor das almas. Como me achava em opressão, pasmei! Quando Jesus Hóstia veio a meu coração, saciou-me. Muito penhorada, agradeci ao meu Bom Jesus, a sua visita. 04 de maio de 1928.

Regozijada, agradeci a Nossa Senhora da Paz, da missão que se encarregou de me acompanhar no transe da minha “paixão”; e a São Sebastião glorioso, que me conduziu, salvando-me.

22 de agosto de 1931, essas são as minhas notas de impressão.
Otília Engrácia de Oliveira.

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